quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Brasil esconde emergência humanitária no Acre
EQUIPE NUCSI23:37 0 comentários

O governo brasileiro faz uso há meses de um jogo de palavras – entre migração e refúgio – para minimizar a grave crise humanitária instalada na cidade acreana de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, 240 km a sudoeste da capital do Estado, Rio Branco.
Mais de 830 imigrantes – quase todos, haitianos – vivem confinados num galpão, com capacidade para apenas 200 pessoas, em condições insalubres de higiene, repartindo o uso de apenas 10 latrinas e 8 chuveiros, onde não há distribuição de sabão nem pasta de dente, o esgoto corre a céu aberto e as pessoas são empilhadas durante meses num local de 200 m2, com teto de zinco, no qual lonas plásticas negras servem de cortina, sob temperaturas que chegam aos 40 graus. O hospital local diz que 90% dos pacientes provenientes do campo têm diarreia. O local já abriga 4 vezes mais pessoas do que deveria e 40 novos haitianos chegam todos os dia.
“É insalubre, desumano até. Os haitianos passam a noite empilhados uns sobre os outros, sob um calor escaldante, acomodados em pedaços de espuma que algum dia foram pequenos colchonetes, no meio de sacolas, sapatos e outros pertences pessoais. A área onde estão as latrinas está alagada por uma água fétida, não se vê sabão para lavar as mãos e quase todos com os que conversamos se queixam de dor abdominal e diarreia. Muitos passam meses nessa condição”, disse João Paulo Charleaux, coordenador de Comunicação da Conectas, que esteve no local.
De acordo com o coordenador do campo, Damião Borges, do Governo do Estado do Acre, o campo vem recebendo 40 novos haitianos por dia, apesar de a última alteração estrutural ter ocorrido há quatro meses. Ele diz que o aumento do número de recém chegados, combinado com a diminuição da oferta de vagas por parte de empresas que antes buscavam trabalhadores no campo, está criando um caos social para os próprios haitianos no Brasil. “Isso precisa ter um fim porque nossos recursos se esgotaram. O Estado tem uma dívida de R$ 700 mil com a empresa que provê alimento para o abrigo e o prazo para pagar termina no dia 15 de agosto. Precisamos urgentemente que o Governo Federal nos ajude. Aqui foi posto R$ 4,5 milhões pelo Governo do Estado e R$ 2 milhões pelo Governo Federal, em 2 anos e 8 meses. Mas o peso, mesmo, quem carrega, é a cidade de Brasiléia. Isso não pode estar a cargo de um município pequeno e modesto como esse”, disse. A Conectas foi informada, durante a missão, que há 3 meses não há repasse de verba do Governo Federal para o Estado do Acre destinado ao atendimento dos migrantes haitianos. Mais grave, não há previsão de novas remessas.
“Brasiléia é um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. Os moradores não aguentam mais essa situação. Isso pode se desdobrar em ações de hostilidade”, disse à Conectas, em Rio Branco, uma autoridade do Governo do Estado do Acre. A declaração reflete o estado de espírito dos moradores desta cidade pequena, de apenas 20 mil habitantes. Embora os moradores mostrem compreensão e solidariedade com os haitianos, as manifestações de cansaço e descontentamento são cada vez mais frequentes. Os moradores do campo competem por vagas com os moradores locais nos postos de saúde, supermercados, padarias, agências bancárias, farmácias, correios e demais serviços públicos. 

Todos os residentes do campo são oficialmente solicitantes de refúgio, por orientação do próprio Governo, que, após 6 meses de análise dos pedidos, prorrogados por mais 6 meses, nega a concessão do refúgio a todos os haitianos.
Este arranjo legal, enquadrado numa política chamada pelo Brasil de “visto humanitário”, evita a deportação dos haitianos que chegam ao País, uma vez que a lei proíbe a deportação de solicitantes de refúgio durante o período de tramitação do pedido. O improviso, entretanto, está fazendo com que uma grave crise humanitária – originada por uma situação de violência interna, seguida de diversos desastres naturais, o último deles um terremoto responsável pela morte de 220 mil pessoas no Haiti – seja tratada como um simples problema migratório no Brasil. “A principal consequência disso é uma abordagem improvisada, amadora e descoordenada, que sobrecarrega o pequeno município de Brasiléia e sua população, quando, na verdade, deveria ser gerida por especialistas em emergências humanitárias desta complexidade. Do ponto de vista humanitário, a questão do nome do visto que se dê é agora menos urgente do que as condições brutais enfrentadas no campo. Esta política de visto humanitário está sendo tudo, menos humanitária”, disse Charleaux.


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