Depois
de uma palestra ótima hoje na Universidade Católica de Brasília em comemoração
ao Mandela Day, nada melhor que o relato da pessoa que ajudou Nelson Mandela a
sair da prisão e continuar com a luta em defesa dos direitos dos negros, na
África do Sul.
Imagem
fonte: http://conexaoafrica.wordpress.com/2012/07/18/mandela-day/
“Foi
devido ao avanço alemão na Segunda Guerra que, aos 13 anos, George Bizos teve
de abandonar a Grécia, onde nasceu, e se refugiar na África do Sul. Lá, ele se
tornaria um dos mais importantes advogados de ativistas contrários ao
apartheid, o sistema de segregação racial branco extinto em 1994. Um de seus
casos foi defender Nelson Mandela no julgamento em que o líder escapou da pena
de morte, em 1963.
Conheci
Nelson Mandela em 1948, na faculdade de direito. Ele era meu veterano e um
ativo opositor do governo que acabara de ser eleito com sua política de
apartheid. Já era notável. Era alto, bonito, fazia ótimos discursos. Era também
o mais bem vestido.
Mandela
queria se tornar o primeiro advogado negro da África do Sul, mas acabou
impedido pelo reitor. Foi reprovado numa disciplina e proibido de repetir o
exame. Não teve escolha senão tornar-se consultor jurídico. Trabalhamos juntos
em vários casos.
Em
1956, Mandela e mais 150 foram presos e acusados de traição. Eu era parte de um
time de quatro advogados, e usamos o júri para mostrar ao mundo a verdade: que
eles defendiam a igualdade para todas as pessoas do país e que os brancos não
tinham nada a temer, já que integrariam a nova sociedade. Cinco anos depois,
foram absolvidos.
Mandela
foi preso em 1962, ao retornar de uma viagem ao exterior tida como ilegal. Em
1963, ele e outros foram acusado de sabotagem e de outros crimes equivalentes
ao de traição, mas mais fáceis de serem provados. E eles, de fato, admitiam seu
envolvimento em ataques.
O
caso ficou conhecido no mundo todo como Tribunal de Rivonia, e o discurso que
Mandela fez, no fim da sessão, foi um dos mais importantes da sua carreira.
Disse:
"Durante minha vida, eu me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra
a dominação branca e contra a dominação negra. Nutri a ideia de uma sociedade
democrática e livre na qual todos vivem juntos em harmonia, com oportunidades
iguais. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas, se
preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer".
[...]
Só o que fiz foi dizer, pouco antes de ele discursar: "Nelson, isso pode
ser interpretado como se você estivesse buscando o martírio. Por que você não
adiciona as palavras 'se preciso for'?".
Nas
folhas originais se vê a anotação, à mão, "se preciso for". [Mandela
escapou da pena de morte, mas foi condenado à prisão perpétua. Foi libertado em
1990.]
[...]
Depois de cumprir seu mandato, Mandela rejeitou a reeleição, torcendo para que
outros líderes africanos seguissem seu exemplo, mas isso não aconteceu.
Distante da política, criou a Fundação Nelson Mandela, viajou e discursou muito
pelo mundo.
Com
a velhice, ficou menos ativo. Somos amigos e nos vemos com frequência. Ele está
com 94 anos, e sua memória está falhando. Como muitos idosos --inclusive eu--,
ele se esquece do que ocorreu há pouco tempo, mas se lembra bem dos anos 50, 60
e 70.
Hoje
ele está bem. Mas vira e mexe um amigo recebe um e-mail perguntando se ele
morreu. Jornalistas que estão escrevendo o obituário de Mandela pedem que eu
fale sobre ele no passado. Não estou preparado para isso. Por acaso dá para
imaginar como estaria o mundo se Mandela tivesse sido executado?
Três
séculos e meio de injustiça contra a vasta maioria da África do Sul não podem
ser curados em anos.
Há
ainda pobreza, desemprego e falta de oportunidades, para a decepção de muitos
de nós. O desemprego empurra algumas pessoas para o crime, há corrupção. Mas
nosso Judiciário é forte, e a maioria dos sul-africanos acredita que sua
independência deve ser protegida. “
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1132974-advogado-conta-como-foi-defender-mandela-ha-quase-50-anos.shtml
Por: Renilda Cruz Coelho
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